SONIA TALARICO

 

Sonia Talarico. Movimento e Trabalho.

 

O ateliê é microcosmo de criação. Entrar num ateliê é oportunidade para descobrir indícios do pensamento e da estética que movem o trabalho do artista. Afirmação mais do que sabida, é fato; mas a experiência, quando se repete, adquire sabor renovado, e da simbiose entre o artista e o visitante, seres não semelhantes e longe de iguais, pode surgir uma empatia que aclara muitas coisas. Para o visitante-curador – esse ser entre meio indefinido e muito desconhecido –, uma primeira estada no ateliê do artista é a definição do percurso que se poderá trilhar e, constitui contato fundamental para a apreensão e a admiração que vai aproximá-lo da obra recém-apresentada. Tenho tido muitas experiências como essa e, é forçoso reconhecer, sempre me surpreendo com tanta coisa nova e de surpreendente qualidade. Conhecer o estúdio de Sonia Talarico, felizmente, não é exceção às minhas boas e recentes descobertas.

 

Criteriosa, com numerosa produção, múltipla nos caminhos que trilha, Sonia tem um grande senso estético e um projeto consistente de trabalho, que caracterizam bem a diferença entre o natural e o adquirido com esforço pessoal, mas prazerosamente vivido, num exercício contínuo de aperfeiçoamento. Mas – e aqui reside o diferencial do verdadeiro artista – ela possui não só conhecimento teórico e técnico, mas também artesanal – para a realização de sua obra. Ao lado dos conceitos (explorados e explicados demais hoje em dia), Sonia não é artista para apenas ilustrar uma ideia, mas, além de conceber, realiza a obra com maestria.

 

A primeira boa impressão que tive foi do conjunto de suas cerâmicas. Sempre admiro essa técnica e reconheço as dificuldades de sua confecção – incluindo riscos com eventuais quebras e erros de finalização. As peças são tão bem feitas que dão até mesmo a impressão de terem sido executadas com grande facilidade, quando a verdade é completamente outra. Seus trabalhos têm sempre originalidade e diversidade de detalhes, formando um conjunto de obras de grande harmonia. E, em muitos casos, há um azul muito pessoal e predominante, de grande impacto. Em meio a tantas peças, é de se destacar a série de cata-ventos, um dos segmentos mais presentes a serem mostrados nesta sua próxima exposição em São Paulo. A artista escreve, em determinado momento, que o cata-vento pode ser “símbolo de vaidade, de instabilidade, de inconstância ou de renovação”. Deixo de lado as três primeiras ideias – apesar de importantes – e fixo-me na ideia de renovação. Cada peça do mosaico de cata-ventos de Sonia, por ser uma variante não repetida, é renovação do modelo primero. Um painel de peças fixadas em bases de ferro previamente envelhecidas (oxidadas) constitui, assim, outra variante da ideia original. Não há, em momento algum, monotonia ou falta de inspiração. Cada peça é única e, apesar de similares, os cata-ventos formam um conjunto intrigante e díspare.

 

A artista também tem uma linha de elaboração de peças utilitárias. Não serão mostradas desta vez, mas certamente valeriam para a realização de outra mostra, mais ampla, pois são dignas de serem olhadas individualmente ou em conjunto, sempre com renovado interesse.  

 

Os cata-ventos de cerâmica não se esgotam nessa técnica. Há variantes complementares, como uma ótima série de impressões fotográficas, que passam pela escolha, corte e foco desejados por Sonia, que, dessa forma, intervém no resultado final, seja durante o processo de impressão, seja nos trabalhos já impressos, adicionando pinturas e grafismos. Aliados à qualidade das fotografias originais (tomadas por Tácito Carvalho e Silva) – que quase adquirem tridimensionalidade –, em contraponto com as cerâmicas individuais e os painéis múltiplos, os cata-ventos clicados constituem obras de grande beleza, provocando um impulso natural que leva o observador a querer tocar nas peças, pois instigam ao tato, como também acontece quase sempre no caso das cerâmicas.

 

Uma minuciosa montagem com cata-ventos de papel fixados em hastes verticais, e impulsionados por uma brisa provocada por ventiladores, é a representação clara do movimento (criativo) contínuo, enquanto uma espécie de mó de moinho, firmemente fixada em uma pedra angular, e posta no chão, instiga o observador a pensar na solidez do trabalho resultante.

 

Para finalizar, Sonia pintou com tinta acrílica sobre tela um políptico e algumas poucas telas individuais, subtraindo a matéria do cata-vento (cerâmica, papel, metal) e registrando apenas o movimento. São pinturas simples, mas um grande achado para completar o percurso da mostra que registra, assim, o caminho da matéria para o abstrato, e do movimento para resultado concreto do trabalho.

 

Antonio Carlos Suster Abdalla
Outubro de 2015